19/03/2007

Manifesto de cidadãos por Lisboa

Antes do texto em si, recorde-se a existência de uma lista de descarte de património proposta pela vereação da CML que “pretende alienar vários lotes de terrenos e edifícios (alguns palácios) municipais, com vista a um encaixe de, pelo menos, 175 milhões de euros”. O problema não é propriamente a transacção, "mas há outras soluções de rentabilização de espaço que não a venda" e que pode passar pela cedência de espaços ou aluguer dos edifícios 1.
Agora, aqui se transcreve, sem comentários adicionais, um ‘manifesto’ publicado por um grupo de ’amigos de Lisboa’ num jornal diário 2, contra a ameaça de Destruição da Cidade. Para já, a lista do património do Estado e da cidade à venda é o seguinte: a Docapesca, o Hospital de D. Estefânia, o Instituto Português de Oncologia, o Liceu Machado de Castro, a Penitenciária de Lisboa, o Quartel de Infantaria nº 1 / Forte do Conde de Lippe.


“A anunciada venda pelo Estado de um conjunto de edifícios em Lisboa constitui um acto inaceitável de egoísmo de geração e um sério revés nesta cidade que herdámos e a que nos habituámos, independentemente da lógica, dos argumentos económico-financeiros e do modo como ela está a ser feita. Recorde-se que a saída das populações se deveu à substituição de habitação por actividades que depois foram deslocalizadas para periferias, e à degradação do parque habitacional que não foi compensada por uma reabilitação. Mais, quando, excepcionalmente, um bem público é vendido em hasta pública, devia definir-se primeiro as condições a cumprir pelos candidatos (o património não pode ser vendido exclusivamente por razões de tesouraria, discutíveis - a Penitenciária ser vendida pelo Estado ao próprio Estado por 60 M?, para depois ser revendida por muito mais?!). O local mais adequado para se tratar disso é no PDM e não a opinião de um ministro avulso. Enquanto cidadãos interessados pela nossa cidade, colocamos de seguida uma série de questões a quem de direito, para que não sejamos, mais uma vez confrontados com mais um facto consumado:
Qual o papel da CML, do Ippar e dos cidadãos neste processo?
A CML deve ser consultada e o seu parecer acatado. O PDM, observado. Os equipamentos constam no Inventário Municipal de 2006 que suporta a actual revisão do PDM, e são centrais para o pulsar da cidade, independentemente da respectiva tutela ministerial. Não é indiferente a Lisboa se os espaços desocupados "virarem" condomínios ou jardins! O Ippar deve fazer o seu trabalho sem pressões do poder político. E os cidadãos, quando serão ouvidos quanto ao futuro da sua cidade?
Serão os argumentos apresentados plausíveis?
Equipamentos obsoletos? Mal dimensionados? Provocam congestionamento nos centros urbanos? Que se prove primeiro! Lisboa não se pode dar ao luxo de ficar sem serviços centrais só porque alguém acha que deve ficar, ou porque há negócios imobiliários em perspectiva. Lisboa já ficou sem moradores, salas de espectáculo, comércio tradicional. É bom que não fique sem aquilo que faz entrar as pessoas em Lisboa! Aliás, se não tivesse prevalecido a ideia da bondade da concentração, e muitas e ricas alternativas se teriam encontrado, no sentido da complementaridade do centro com o restante corpo urbano, ficando vivo o primeiro, equilibrado e digno o segundo.
Será adequado o destino que se anuncia para esses equipamentos?
Até que ponto as soluções preconizadas não serão nefastas para a cidade? Pretende-se uma cidade de condomínios privados ou uma cidade de bairros, em que a relação de vizinhança seja a mais-valia e os espaços verdes uma realidade?
Ex: retira-se o IPO de uma zona especialmente bem servida por transportes públicos e o que é que o Estado (e o município) vai autorizar para ali? Os privados normalmente nunca compram "gato por lebre"; quanto valerá para os privados o IPO se o destino for zona verde? Muito menos se para condomínio ou escritórios. Mudar-se o IPO para Oeiras? Há auto-estrada, e o resto?
E no que se refere à Penitenciária (EPL), um centro comercial? A destruição total, parcial? Porque se afirmou que a estrutura não pode ser alterada? Ir para o Linhó-Sintra? Então esse local não está em vias de ser um aglomerado urbano contínuo? Em Barcelona, por exemplo, o EP está no centro da cidade, no meio de um bairro habitacional, sem sequer precisar de qualquer perímetro de segurança! Diz-se que com o dinheiro resultante da venda do EPL irão ser edificados dois novos estabelecimentos prisionais (Linhó-Sintra e Alcoentre) em três anos!? E os concursos públicos internacionais? As derrapagens de prazos, a falta de experiência na construção de estabelecimentos prisionais?
Valor patrimonial em jogo e propostas condizentes.
As propostas que apresentamos supõem, primeiro, que a vontade do Estado em vender é um facto; segundo, que os ministérios podem e devem entender-se entre si de modo a que as sinergias daí resultantes permitam a maximização de recursos, a preservação física dos espaços e da memória; impeçam toda e qualquer possibilidade de especulação imobiliária e, mais importante, que os novos equipamentos continuem a servir o interesse das populações”.

Nota final:
Na calha: Hospitais Júlio de Matos, Santa Marta, Capuchos, Miguel Bombarda, São José e Desterro, Centro Psicologia Aplicada do Exército, Convento e Quartel da Graça, Casão Militar (Graça), Cadeia das Mónicas, Escola-Oficina nº1 (da Maçonaria), Estado-Maior do Exército, Regimento de Transmissões e de Sapadores, Governo Militar de Lisboa, Instituto Hidrográfico e Tribunal da Boa-Hora.

Os subscritores: Paulo Ferrero, Bernardo Ferreira de Carvalho, Carlos Brandão, Daniel Melo, Fernando Jorge, Jorge Silva Melo, José Carlos Mendes, Júlio Amorim, Luís Pedro Correia e Nuno Valença (Fórum Cidadania Lx), Filipe Lopes (OPRURB), Guilherme Alves Coelho, Helena Roseta, Luís Coimbra e Nuno Teotónio Pereira.

1. “Venda de seis edifícios e dez lotes rende 175 milhões”, DNotícias 2007-03-13, no URL
www.dn.sapo.pt/2007/03/13/cidades/venda_seis_edificios_e_lotes_rende_m.html
2. “Seis casos, cinco ministérios, um só destino?”, Público 2007-03-18

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