14/03/2007

Uma ‘ilha’ na capital

O plano estratégico da Administração do Porto de Lisboa (APL) para os próximos 20 anos deverá ser aprovado em assembleia geral em Abril e apresentado publicamente no dia 8 de Maio, data em que se assinalam os cem anos da entrada em vigor da Carta de Lei através da qual o rei D. Carlos I entregou a gerência do porto a um conselho de administração autónomo.
Entretanto, e segundo o presidente do conselho de administração da APL, em Abril irão ter início os trabalhos de “alinhamento da muralha” e de desassoreamento da Doca do Terreiro do Trigo. Abril deverá também ser não só o mês da aprovação do plano estratégico, mas também do arranque da construção do terminal de cruzeiros de Santa Apolónia a inaugurar “no final do primeiro semestre de 2009”. Só não sabe ainda se a construção da estação marítima será inteiramente assumida pela APL ou se o desenvolvimento da vertente comercial do edifício ficará nas mãos de um promotor privado. Uma coisa é certa, a APL adjudicou já a reabilitação e reforço do cais entre Santa Apolónia e o Jardim do Tabaco ao consórcio da Somague e da Sociedade de Empreitadas e Trabalhos Hidráulicos (SETH), no início de Março, por cerca de 14 milhões de euros. Quanto à nova sede da APL, esta vai nascer em Algés e deverá estar concluída até ao final de 2007, junto ao Centro de Controlo do Tráfego Marítimo.
A APL aponta também para a mesma data a aprovação do projecto final para a zona da Docapesca, em Pedrouços, que está a ser desenvolvido com a Parque Expo, e que incluirá um pólo náutico e um científico, que deverá integrar a sede da Fundação Champalimaud, e possivelmente um espaço cultural, além de comércio e “alguma habitação” 1. O estudo de que a Docapesca está a ser alvo será a terceira versão de um projecto de reaproveitamento do local, avaliado em cerca de 600 milhões de euros. O presidente da APL prevê ainda ser “possível que, depois de concluídas as obras, sejam feitas concessões ou venda de infra-estruturas”. O projecto chega tão longe quanto uma ilha no meio do rio Tejo, de frente para a Doca de Pedrouços, perto de Algés. A ideia surgiu há uns anos, pela mão da APL que queria assim construir um reservatório para os contentores que chegam ao porto da capital 2.
De momento, decorrem em ritmo acelerado as escavações para a preparação da construção dos edifícios que irão receber a Agência Europeia de Segurança Marítima e o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, em terrenos sob a tutela da APL no Cais do Sodré, com um desbaste total de todas as espécies verdes da área.
Além da construção dos dois edifícios, está ainda prevista a alteração do emblemático edifício da Hora Legal e a construção de um novo edifício de quatro andares acima do solo e um andar em subsolo para estacionamento. Esta alteração do edifício da Hora Legal representa um atentado a um património de valor incalculável, uma vez que neste edifício estiveram instalados os dois relógios da Hora Legal: o primeiro de 1914 a 2001 e o segundo, de tecnologia digital e “design” mais moderno, que foi colocado posteriormente e que recentemente terá sido retirado, existindo apenas, actualmente, o espaço circular que os albergou.
A construção em curso terá um impacto gravíssimo a nível do trânsito e da poluição na zona, uma vez que mais de 500 funcionários ali irão trabalhar diariamente. O projecto terá igualmente um forte impacto visual, já que irá desvirtuar para sempre as vistas desde e para a Colina de São Francisco, criando uma obstrução à paisagem, representando também um sério retrocesso na fruição da zona ribeirinha, uma vez que lhe vai dificultar o acesso. A área destinada aos referidos projectos insere-se numa zona abrangida pelo projecto de revitalização do centro histórico da cidade, estando igualmente inserida na Candidatura da Baixa-Chiado a Património Mundial da UNESCO.

O mais grave é que nem sequer foram realizados estudos prévios sobre os impactos ambientais e de tráfego nesta área patrimonial, considerada como cartão de visita da capital. Com tanto capital investido, estranha-se a ‘incapacidade’ desta ‘ilha’ lisboeta em gerar projectos sustentáveis, quer a nível económico e ambiental, quer lúdico e turístico, devolvendo, acima de tudo o mais, a frente ribeirinha ao usufruto público dos lisboetas e de quem visita a cidade.

1. “Plano estratégico do porto de Lisboa deverá ser apresentado em Maio” por Inês Boaventura, IN Público, 2007-03-12
2. Ver o URL
www.correiomanha.pt/noticia.asp?id=234199&idselect=11&idCanal=11&p=200

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