01/08/2008

Entrevista à deputada Heloísa Apolónia - parte 1

O Partido Ecologista “Os Verdes” diz que a eficiência energética é o passo certo para diminuir as emissões dos gases de efeito de estufa. Que medidas efectivas apresenta o PEV para a auto-sustentação e sustentabilidade energética de Portugal?
Para atingir um patamar aceitável de eficiência energética, são necessárias muitas medidas num dos países que mais desperdiça energia e que para produzir uma mesma unidade de riqueza gasta não só muito mais energia do que a maior parte dos países da União Europeia, mas também do que gastava há 20 anos atrás, o que demonstra que não nos desenvolvemos no caminho certo. Há muitos sectores onde se pode e deve tomar medidas, seja na habitação onde se requer melhor construção dos edifícios e adopção de boas práticas energéticas; seja na indústria com a modernização e descarbonização do tecido produtivo; seja no sector dos transportes com uma aposta séria na promoção do transporte colectivo; seja na própria oferta do mercado, por exemplo retirando de venda produtos, como electrodomésticos, altamente ineficientes; seja na própria electroprodução promovendo a produção mais localizada e em menor escala, de modo a combater os desperdícios de transporte de energia. Isto só para dar alguns exemplos de propostas que “Os Verdes” têm apresentado, entre outras, com vista a garantir maior eficiência energética em Portugal.
O que entende por uma redução do consumo energético?
Reduzir o consumo energético é, justamente, criar eficiência energética. O primeiro passo a dar é travar o aumento constante do consumo energético (que aumenta, em Portugal, uma média de 4% cada ano), satisfazendo as nossas necessidades sem esbanjamentos, ou seja com menor gasto de energia. Há estudos que determinam que há possibilidade e exequibilidade, face ás necessidades que hoje temos, de reduzir os nossos gastos energéticos na ordem dos 30%. O sector dos transportes é um bom exemplo disso: se se apostasse com rigor em melhores transportes públicos, se se incentivasse as populações a deslocarem-se através de transportes públicos, designadamente nos seus movimentos pendulares, poupar-se-ia uma quantidade enorme de energia, através da poupança no combustível.
Na sua opinião o Governo de José Sócrates em matéria de eficiência energética tem sido competente? Porquê?
Não. Porque o Governo do PS, em termos de política ambiental, só tem intervido, se bem repararmos, naquilo que pode tornar uma matéria ambiental numa oportunidade de negócio para algumas mega-empresas. A produção de energia eólica e hídrica tem beneficiado e vai beneficiar alguns grupos económicos como a EDP, e aí o Governo tem apostado, mas tem apostado com um pressuposto preocupante: de que se vai continuar a consumir mais e mais energia. É isto que resulta dos documentos que têm sido apresentados. Ora, o caminho que temos que fazer é exactamente o inverso: reduzir o consumo de energia. E aí o Governo tem estado parado ou tem dado passinhos demasiado frágeis e lentos. Veja-se que o Plano Nacional de Eficiência Energética, que devia estar a ser aplicado há anos, só há bem pouco tempo foi apresentado e ainda não está a ser aplicado.
No acordo que o Governo fez com os camionistas, há uma medida de apoio à renovação de frotas e outra de apoio ao abate de veículos em fim de vida, isto visando a eficiência energética das próprias empresas. Considera esta uma medida eficaz?
Dito assim, ninguém pode dizer que essa medida não é positiva. Contudo, é uma medida residual se a compararmos com os benefícios que resultariam para o país, a vários níveis, incluindo de eficiência energética, com a transferência significativa do transporte de mercadorias da via rodoviária para a via ferroviária. Actualmente o transporte de mercadorias faz-se, em Portugal, em mais de 90% por via rodoviária!
O que pensa da dependência do nosso País face aos combustíveis fósseis?
Considero que a nossa dependência do petróleo (que anda na ordem dos 60% do consumo total de energia) é extraordinariamente preocupante e que é preciso livrarmo-nos dela. Mas, para isso, é preciso perceber, e mais uma vez o registo, que uma intervenção eficaz sobre os transportes não pode ser esquecida, porque a esmagadora fatia da nossa dependência do petróleo deriva do sector dos transportes.
Em sua opinião o motor de combustão é decrépito? Porquê?
O motor de combustão tem evoluído, ao longo dos anos, para níveis mais eficientes, contudo ainda está longe de poder ser considerado uma tecnologia eficiente, porque nos dias de hoje apenas aproveita cerca de 30% da energia consumida.
Qual é a solução?
A solução mais significativa, do meu ponto de vista, é, face ás necessidades de mobilidade que as populações têm, apostar de imediato numa rede de excelência de transportes colectivos e alternativos, designadamente nos menos poluentes (ferroviário e mobilidade suave, como a bicicleta), e pensar, a longo prazo, num ordenamento territorial que altere as necessidades de mobilidade que hoje as pessoas têm, deixando de as remeter para a periferia e promovendo melhor distribuição populacional pelo território nacional.
No seu ponto de vista, os motores eléctricos, contrariando o que tem vindo a ser anunciado, não vão acarretar ainda mais problemas energéticos?
Os motores eléctricos, sendo menos poluentes, não vão resolver estruturalmente o nosso problema energético. Se pensarmos em substituir toda a frota de veículos automóveis, com motores de combustão, por outros, com motores eléctricos, teríamos um problema de abastecimento e de aumento substancial de consumos eléctricos. Haverá certamente um lugar para os veículos eléctricos no futuro energético, mas estes não são a solução do problema. A solução, por mais voltas que se dê, tem necessariamente que passar pela utilização em massa dos transportes colectivos e dos modos de mobilidade suave.
Os motores eléctricos são alimentados a electricidade, e Portugal além de necessitar de reduzir as emissões de gases de efeito de estufa, ao abrigo do Protocolo de Quioto, terá de produzir ainda mais energia, logo será necessário uma fonte de maior produção eléctrica. Ou seja, os custos inerentes a estes veículos farão deles amigos do ambiente?
Já o referi na resposta anterior, mas acrescento o seguinte: se, porventura, o uso do motor eléctrico vier a ser utilizado como argumento para a instalação de um reactor nuclear em Portugal, constituirá um gravoso dano do ponto de vista de opções sustentáveis e ambientalmente correctas.

Ler Entrevista para o jornal SEMANÁRIO pelo jornalista João Pinheiro da Costa, pela deputada do Partido Ecologista “Os Verdes”, Heloísa Apolónia, 24 de Julho de 2008

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