11/11/2008

Peão esquecido é o elo mais fraco

O Largo do Rato, em Lisboa, é “um lugar hostil e perigoso para o peão”, onde todos aqueles que não circulam em veículos motorizados foram afastados da parte central do largo e confinados às “zonas marginais” da praça e ao espaço privado dos pequenos comércios, que “tem vindo a tornar-se o único espaço de convivência possível”.
Estas são algumas das conclusões da pesquisa desenvolvida entre Setembro de 2006 e Setembro de 2007 por um investigador francês, no âmbito de um doutoramento em antropologia social.
O trabalho, que procura dar conta daquilo que significa ser peão numa praça de Lisboa definida como “um exemplo paradigmático da recente motorização da sociedade portuguesa”, deu origem ao livro ‘Pedonalidade no Largo do Rato: Micropoderes’, que será lançado amanhã, 4ª fª, numa edição da ACA-M, paralelamente à realização do colóquio ‘O Peão e a Cidade’, que se realiza no Goethe-Institut de Portugal, em Lisboa.
O investigador defende que a “intensidade maciça do trânsito rodoviário” e o “agenciamento impositivo da mobilidade pedonal”, em que as guardas metálicas, os pilaretes e as passadeiras “impõem determinados itinerários ao peão”, são os responsáveis pelo “processo centrípeto de afastamento do cidadão peão da parte central do Largo”. O resultado é “a agonia lenta e dolorosa de um espaço que devia ficar um lugar público, isto é, de encontros, de diálogo e de vivência”.

O autor fala mesmo numa “inversão dos papéis entre espaço privado e espaço dito público”, já que o Largo do Rato passou de espaço de “convivência” a espaço de “atravessamento”, fazendo com que os estabelecimentos comerciais nas suas margens se tenham tornado “o único espaço de convivência possível, concentrando as sociabilidades mais 'tradicionais' de rua”.
Sustém que, actualmente, “para conviver, torna-se necessário entrar num café, numa loja, ou seja, em lugares privados que implicam o dispêndio de dinheiro, esquecendo a premência de utilizar o espaço público do Rato, dando-o desta forma, à partida, como perdido para o automóvel”.
E aponta ainda outros factores que contribuem para a hostilidade do Largo do Rato: “Poluição hedionda devido a emissões de CO2 e monóxido de carbono por parte do trânsito rodoviário; ausência de fonte pública de água; escassez de vegetação - o largo contabiliza apenas 18 pequenas árvores situadas em locais pouco frequentados pelos peões”. Em suma, diz o investigador, “o peão parece ter sido esquecido, enquanto elemento participante da vida do largo”.
Para tal contribuiu a ocupação dos passeios com estacionamentos abusivos, com lixo, obras e outros obstáculos, bem como o facto de alguns passeios serem demasiados estreitos para permitirem, por exemplo, a passagem de um carrinho de bebé ou de uma cadeira de rodas. Outro problema apontado é o dos “semáforos pedonais com tempos de verde curtíssimos”, que “incentivam” o peão a atravessar com o vermelho.
E deixa a pergunta no ar: o Largo do Rato é ou não um ponto negro na sinistralidade rodoviária da cidade? 1
Sobre esta questão, o Grupo Municipal de “Os Verdes” apresentara, na recente sessão de AML de 21 de Outubro de 2008, uma Recomendação sobre os ‘Pontos Negros na Cidade de Lisboa’, que foi aprovada apenas com a abstenção do PS, para que a CML “identifique os Pontos Negros da circulação pedonal e rodoviária na cidade de Lisboa, estabelecendo prioridades e calendarizando as medidas indispensáveis para a correcção dos Pontos Negros identificados” 2.

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