03/02/2009

Como desperdiçar a árvore das patacas

Particularmente no plano alimentar, Portugal tem recursos fantásticos infelizmente malbaratados por gerações sucessivas.
Há um sector então onde tudo parece ainda mais especial: o dos chamados produtos biológicos. Portugal tem condições óptimas para estes produtos - que, além de objectivamente excelentes, têm ainda uma condição comercial muito favorável. Em plena crise, a procura deste produtos não só não diminuiu, como continua a justificar a abertura de mais pontos de venda um pouco por todo o país.
Para mais, segundo um relatório internacional, ao nível do mercado mundial continua a existir uma procura muito superior à oferta.
Acresce que em vários países europeus, com destaque para a Itália, há uma aposta crescente neste tipo de consumos: desde as cantinas escolares e hospitalares, aos agro-turismos que são cada vez mais procurados.
A agricultura biológica que se estende à pecuária e à agro-indústria, tem, como se sabe, inúmeras vantagens ambientais e nutricionais. Produz sem recurso a pesticidas químicos, usa adubos naturais, e dela resultam produtos muito mais saborosos e duradouros.
E é nisto então que o país aposta em força e com coragem? Não. Uma velha sensibilidade bronca que gerações sucessivas de responsáveis vêm herdando e transmitindo desde os tempos heróicos das campanhas do trigo, não consegue deixar de rir com descrédito destas coisas que considera pueris e ilusórias, quando afinal são elas que permitem colher patacas de árvores.
A agricultura industrialista gosta de produções musculadas. Contudo (sobretudo num país como Portugal), o negócio está cada vez mais nas agriculturas cuidadosas e subtis, quase artísticas. Produtora de excelência, a agricultura biológica beneficia o ambiente, o consumidor, o empresário e ainda outros sectores.
Se, além disso, for transmitida a ideia de que a excelência destes produtos oferece uma experiência superlativa quando consumidos no local de produção, teremos ainda um movimento de cultura local e de turismo de excelência.
E perante isto, que empenhos movemos nós? Prédios e apartamentos encavalitados com vista para o mar, para onde fazemos desaguar os esgotos de todas aquelas casas numa cacafonia urbanística que nos não distingue de todos os outros sítios!
Recorde-se que, onde hoje se produz a preciosa flor de sal de Castro Marim, estava para ser construída uma mega-ETAR ao serviço das retretes das vastas urbanizações de Monte Gordo.
Impõe-se uma mudança de paradigma como agora tanto se diz também. As produções bio que acrescem em valor à excelência natural dos produtos tradicionais são verdadeiramente as patacas das árvores que temos.
E tudo isto pensando apenas no produto natural e fresco. Se lhe acrescentarmos a transformação (conservas, caldas, doces, fumados) e ligarmos tudo isto aos recursos naturais e à paisagem - imagine-se o potencial de riqueza que temos.
Os espanhóis já perceberam isto, tanto que a ministra da Agricultura de Espanha esteve há pouco tempo em Portugal para assinar uma Carta Ibérica das produções biológicas que, para eles, constituem um grande horizonte de esperança e investimento. Por cá ao facto foi dada tanta importância, que o nosso ministro da Agricultura, tão hábil a mobilizar os media, não se dignou considerá-lo notícia.
O País não tem que se queixar da sorte e do destino. O que tem à mão é precioso. A riqueza em Portugal consiste antes de mais em não estragá-la.

Ler Luísa Schmidt IN http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/494981&sctx=1:10:a%20árvore%20das%20patacas

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